quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Brigada Militar e a Revolução Farroupilha - Parte II

A BRIGADA E O MTG



            A Brigada Militar, herdeira moral e física do Corpo Policial e da Guarda Cívica, foi criada em outubro de 1892, no momento em que a República firmava-se no Brasil.
            A sociedade sul-rio-grandense já cultivava, desde a Revolução Farroupilha, as idéias republicanas de igualdade, liberdade e humanidade (fraternidade), quando a República foi instituída no Brasil, no ano de 1889. A polícia gaúcha fardada, por sempre ter tido forte identificação com a sociedade, já era republicana quando foi batizada com o nome Brigada Militar.
            Concluída a Revolução Federalista, 1893 a 1895, fato que marcou a consolidação dos ideais republicanos, outro sentimento fervilhava na mente dos gaúchos, especialmente entre os militares: a necessidade de perenizar os costumes, hábitos e tradição desta sociedade. Vale lembrar que o Rio Grande do Sul foi o único estado brasileiro a ser ocupado do oeste para leste e o único que se manteve em permanente conflito bélico com os vizinhos castelhanos. A fronteira com o Uruguai somente foi demarcada depois da Revolução Farroupilha.
            Com relação à população também há um diferencial em relação aos demais estados brasileiros: aqui a miscigenação foi mais efetiva. Seis grandes etnias formaram aquilo que hoje chamamos de gaúcho: os índios, nativos, os espanhóis, desde 1620, os portugueses e os negros, a partir de 1737, os alemães em 1825 e os italianos a partir de 1874. Especialmente os portugueses açorianos, os alemães e os italianos aqui chegaram com o firme propósito de fixar-se e de construir uma sociedade organizada a partir das famílias e da formação de núcleos locais, mas abertos a absorção dos hábitos e costumes dos homens e mulheres que já ocupavam a campanha, um tipo humano marcado pela liberdade das vastidões e pela mescla entre espanhóis, índios e poucos bandeirantes que por aqui ficaram após as incursões do século XVII.
            Retornamos ao sentimento latente da necessidade de perenizar hábitos e costumes dessa sociedade, para constatar que o major João Cezimbra Jacques, ao liderar um grupo de militares, entre os quais vários brigadianos, com o fim de organizar o Grêmio Gaúcho, tinha presente aquela necessidade.
            Depois do Grêmio Gaúcho, foram cridos outros clubes com a mesmo finalidade, totalizando, no Estado, mais de uma dezena. Por várias razões, mas especialmente por nunca terem estabelecido entre eles sólidas relações, este “clubes de culto ao gauchismo” deixaram de funcinar ou perderam suas finalidades.
            No ano de 1947, um grupo de jovens estudantes do Colégio Julio de Castilhos de Porto Alegre resolveu criar, dentro do colégio, novo clube para preservar o pouco que restava da tradição gaúcha. Naquela época as bombachas era sinônimo de grossura, o chimarão havia quase desaparecido e a música gaúcha era desconhecida nas grandes cidades. Usava-se o jeans, bebia-se coca-cola, fumavam-se cigarros hollyood e ouvia-se rock and roll. A bandeira do Estado servia de cortina ou de pano-de-chão e o hino rio-grandense era proibido (no Estado Novo foram abolidas os símbolos estaduais).
            Pois aqueles jovens estudantes aceitaram o convite da Liga de Defesa Nacional para fazer uma guarda de honra, a cavalo e vestidos à gaúcha, para os restos mortais de David Canabarro que, trazido de Santana do Livramento, chegava a Porto Alegre para serem depositados no Panteão do Cemitério da Santa Casa de Misericórdia. Os cavalos utilizados pertenciam ao 18º RC. Depois disso veio a fundação do 35 CTG e, mais tarde a organização do Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG.
            Na busca de dados sobre a relação entre a Brigada Militar e o MTG, perguntei a um dos oito jovens participantes da citada guarda de honra, o hoje septuagenário CYRO DUTRA FERREIRA, que me respondeu por escrito. Transcrevo a carta que recebi, como forma de homenagear a todos os brigadianos que ajudaram a construir o maior movimento cívico-cultural que se conhece, o MTG:

            Em abril de 1948, fomos incumbidos, eu e o companheiro Flávio Xavier Krebs, de levarmos ao Sr. Governador do Estado, Walter Jobim, um convite para fundação do “35-CTG”. O Governador mandou o Cap. Pandolfo (BM), chefe da Casa Militar, representa-lo no dia 24 do mesmo mês. Pandolfo vibrou muito com o que presenciou e levou ao Governador a melhor das impressões.

Em setembro de 1948, o primeiro piquete de cavaleiros do 35 CTG saia às ruas de Porto Alegre para conduzir a Chama Crioula. Paixão Côrtes (D) está acompanhado de José Laerte Vieira Simch (E) e de Antônio Cândido da Silva Neto (C).

            Antes, em 5.9.47, na histórica cavalgada para receber os restos mortais do Gal. Canabarro, havíamos tido um contato com o Exército (18º RC) porque os cavalos foram cedidos pelo mesmo pois tudo foi tratado com o Presidente da Liga de Defesa Nacional, Major do Ex. Darcy Vignoli.
            Na 1ª Ronda Crioula, em setembro de 48, (em 47 foi denominada de Ronda Gaúcha) já conseguimos os cavalos da Brigada, por interferência do Cap. Pandolfo, que após aquele primeiro contato conosco, tornou-se admirador e incentivador do nosso trabalho, sempre representando o Governador quando convidado,
            Nesta 1ª Ronda Crioula saímos 2 vezes com cavalos da Brigada: dia 7 à noite, quando éramos 13, para apanharmos a Chama Crioula na Pira da Pátria e a levarmos para o saguão do “Julinho” e no dia 20 para o desfile (na época a Brigada ainda não desfilava dia 20). Como amanheceu chovendo passamos parte do dia num galpão de um antigo tambo de leite que havia no meio de um potreirão existente no centro da propriedade da Brigada. Esse velho galpão ficava mais ou menos onde hoje é o Galpão Crioulo da Brigada, entre a sede do Comando do RBG e as báias.
            Ali passamos cantando, declamando, assando carne, e... peleando de sabre com oficiais da Brigada, que nos deram algumas noções desse esporte. Depois dos oficiais terem dado uma demonstração real entre eles, incentivaram-nos a pelearmos entre nós: meu adversário foi o Fernando Machado Vieira e a refrega foi dada por empatada....
            À tarde, como o tempo limpou, saímos para a rua,, uns 20, solitos, portando as Bandeiras Brasileira e Rio-grandense (esta pela vez primeira desfilando em P. Alegre depois da célebre incineração das bandeiras estaduais determinada pela Lei do Estado Novo). Nas ruas ninguém entendia o que significava aquilo. Atacavam-nos, indagando, quando tínhamos a oportunidade de transmitirmos rápida mensagem. Todos, porém, festejavam eufóricos as duas bandeiras, especialmente a Rio-grandense, por estar quase esquecida.
            O trajeto? Não fora pré-estabelecido: era no grito no mais. Fomos até o centro e retornamos pela João Pessoa.
            FORTE EMOÇÃO, numa esquina da João Pessoa, talvez com a Sarmento Leite, presenciamos uma emocionante e incrível cena de entusiasmo: um gurizinho de uns 6 ou 7 anos, na calçada, pulava desesperadamente, batendo com as mãos nos joelhos e gritava, aos berros: “Mâiê, Mâiê, vem ver, vem ver Mâiê!” Hoje, relembrando e analisando o episódio, entendemos porque o “35” e depois o Movimento cresceu tanto. Aquele gesto infantil mostrou que o patriotismo, o amor pelo Rio Grande e pelo Brasil não eram privilégio somente dos nossos corações. Na hora parei meu cavalo e espontaneamente expliquei à mãe do garoto o que andávamos fazendo. Aliás, o berreiro do guri não alertou só a sua mãe, pois outros vizinhos também saíram porta a fora, formando ali uma pequena platéia de 10 ou 12 pessoas a quem falei.
            A partir da Ronda de 48 passamos a usar exclusivamente os cavalos do RBG por uns 15 anos. Raramente surgia alguém com cavalo próprio. Isto só aconteceu 8 ou 10 anos após e os primeiros foram os “Pegadores” da Prefeitura (campeiros contratados para aprisionarem animais de grande porte soltos pelas ruas), que eram bons e bem pilchados gaúchos.
            Em 1951, com a vinda a Porto Alegre de “caubóis” do King Ranch dos EE.UU. participamos durante os três dias de espetáculos de laço e gineteadas realizados no campo da “Baixada”, do Grêmio Porto Alegrense, com cavalos do RBG. Logicamente tivemos que escolher pingos comprados na fronteira, por serem familiarizados com a lida de campo. Mas também levamos alguns aporreados, que o RBG possuía em bom número.
            Depois, passamos boa temporada, uns 10 anos, só encilhando a cavalhada do CPOR, por interferência de um companheiro nosso que lá servia, o então Tte. Veterinário Fábio Fantin.
            Após, nos transferimos para o 3º RG, também a convite de outro companheiro o Sgto. Antocheves.
            No entanto, durante todos estes mais de 50 últimos anos, nunca nos separamos da boa gente da Brigada e dos seus cavalos.
            A consolidação definitiva da parceria da Brigada Militar com o “35 CTG”, e hoje com maior razão e intensidade com o MTG, foi a excursão a Montevidéu, em 1949. O então Governador Walter Jobim recebeu um convite para que uma delegação de gaúchos do Rio Grande do Sul fosse a Montevidéu para representar o Brasil num grande desfile, em 21/3/49 em regozijo à passagem do “Dia da Tradição Gaúcha”, para o qual a Argentina também foi convidada. Ao examinar o convite, junto com o Cap. Pandolfo, o Governador comentou: “Isto seria tarefa para esses guris do 35, porém acho-os muito jovens para uma representação no exterior. Vamos fazer o seguinte: escolhemos alguns bons cavaleiros entre os oficiais do Clube Farrapos para irem juntos, cuidando dessa gurizada...” (Esta intimidade ficamos sabendo muito tempo depois, pelo próprio Cap. Pandolfo, que terminou ficando nosso íntimo amigo).
            Assim, além de 5 membros do “35”, Antônio Cândido da Silva Neto, Cyro Dutra Ferreira, João Carlos Paixão Cortes, José Laerte Vieira Simch e Luiz Carlos Barbosa Lessa, foram os então ttes. Atila Escobar, Nero Silva, Vasco Mello Leiria e o Asp. Victor Mello Ferreira, este último ótimo repentista, que foi como trovador. Na volta da viagem todos associaram-se ao “35”, o Victor foi nosso trovador oficial por vários anos e o Vasco, o nosso saudoso “Caraguatá”, participou do “35” até a sua morte. Todos os 4 atingiram o coronelato.
Em alusão ao compreensível cuidado do Governador a respeito da nossa tenra idade, lembro-me, hoje, de que “nos finalmentes” nós, os guris, é que terminamos cuidando deles. Porque o Nero e o Vasco, apesar de compadres, viviam peleando, quase ao ponto de se agarrarem a unha, quando nossa interferência apaziguadora tinha que funcionar, porque os outros não queriam se meter em “briga de cachorro grande” ...
Entre muitos e muitos dignos integrantes da querida Brigada Militar, cito, com sincera homenagem e num dever de gratidão as pessoas do Cel. Walter Perachi de Barcellos e do Cap. Jerônimo Braga, aquele Comandante Geral e este Relações Públicas da Brigada, os quais sempre que procurados, nos receberam com o maior carinho e o mais elevado espírito de colaboração. Isto, sem dúvida alguma, nos honrava sobremaneira, nos fazia acreditarmos que trilhávamos o caminho certo e nos animava e prosseguirmos.
Hoje acompanho com profunda tristeza e revolta as injustas e incompreensíveis tentativas oficiais de despersonalização da Gloriosa Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, que, apesar de criada em 1839 para combater os “Farrapos”, posteriormente, melhor conhecendo as intenções da gauchada revolucionária, passou a admirar a gente de “35” e, antes do alvorecer do Movimento Tradicionalista Gaúcho, era o único órgão que festejava, embora somente dentro dos quartéis, a passagem do memorável “20 DE SETEMBRO”.

                                   Sítio Nossa Senhora Medianeira, agosto de 2002.
           
                                               Cyro Dutra Ferreira.



P-1 Comunicação Social 4º BPAF

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